segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Sobre as questões coletivas


Nestes últimos cinco anos – em que saímos do sonho de potencia emergente para a bola da vez da crise econômica (agravada pelos desmandos políticos) tenho visto e vivido – em várias circunstâncias e locais – o quanto as questões que envolvem as questões coletivas e a comunidade (no seu sentido mais amplo) são, por vezes, princípios inexistentes em nossa sociedade. As pessoas não estão convictas da seu papel social, da sus função - independente da posição social. O nível de descompromisso da cobradora de ônibus que joga a garrafa de água pela janela, após beber água é comparável à políticos e empresários que se beneficiam do poder para tirar benefícios prejudicando grande parcela da população. E os bonzinhos não venham me dizer que a mulher só faz isso porque não tem educação e os políticos tem educação, portanto, não se compara. Não sou favorável desta tese, porque todos em sã consciência sabem o que fazem. Prova disto é que a mulher não gostou quando reclamaram do seu mal exemplo.
As razões deste vazio pelo cuidado do público tem várias razões, do qual não caberia aqui mostrar todos os pontos. Sobre isso acho interessante a leitura dos Interpretes do Brasil, do qual recomendo dois, com perspectivas diferentes: Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Mesmo assim, a partir do meu senso comum, apresento algumas impressões. Primeiramente, vivemos no velho costume de ficar outorgando responsabilidades à terceiros. O maior deles é o próprio Estado. Espera-se tudo do Estado. Não quero afirmar que não devamos esperar, porque coisas essencial deve ser atribuição, mas há muito que podemos fazer e não o fazemos. O que se deixou de realizar é sempre responsabilidade do outro. Personalizamos o coletivo e a depender da posição que ocupamos escolhemos um “pai” (quem já não ouviu a expressão “o pai dos pobres”) ou um vilão (a exemplo da crise política – no qual nos furtamos a responsabilidade do que temos) que tomamos como referência para nossa inépcia verbal.
Volto ao exemplo do lixo. Vê-se o quanto a grande maioria não está nem ai para o que se faz com o lixo. Não falo só do que encontramos nas ruas. Nosso estilo de vida tem como resultado final o lixo. Nosso progresso pautado no consumo desenfreado é pautado na destruição desenfreada da natureza. Nosso progresso está diretamente atrelado ao que somos obrigados a descartar, sem nenhum questionamento. Não pensamos na pólis – no sentido de criarmos condições para as gerações – queremos o agora, porque a única coisa que vemos são nossas necessidades mais imediatas, recursos sempre tão mitigados. Todos tem responsabilidades sobre a cidade, o que obviamente no remete a um saber fazer. Que fique claro que não faço referência a política partidária, mas a força de um sistema associativo, no qual cada indivíduo motivado constroem as possibilidades (perspectiva bem próxima a Tocqueville e a Weber).
Recentemente assisti o filme “As sufragistas”, que conta a história de um grupo de mulheres inglesas - conhecidas por “As sufragistas – que lutavam por direito ao voto (sufrágio universal), ou seja, lutavam por direitos políticos e sociais e plena igualdade entre homens e mulheres. Chama atenção o contexto do séc. XIX numa Inglaterra conservadora e de perseguição aos movimentos sociais e políticos contrários aos interesses da burguesia da época. No entanto, o que fica mais evidente nesta história é a determinação, compromisso e desprendimento em pensar questões coletivas, mesmo assumindo custos pessoal altíssimos, como a perseguições, o abandono e até mesmo a própria vida. Vê-se que a luta por igualdade destas mulheres não foi algo pensado apenas por intelectuais em seus gabinetes de universidade, nem muito menos por políticos demagogos, mas de necessidades reais e, principalmente, pelo espírito cívico de liberdade e igualdade, na construção de uma sociedade melhor. Quando estou tratando disso não estou me referindo à pessoas boazinhas, não se trata disso. A convicção das sufragistas passavam pela certeza de que as desigualdades e uma melhor condição de vida só seria possível quando tod@s tomassem consciência de princípios básicos e universais (sobre isso ver a carta da UNU sobre os direitos universais).
Infelizmente quando penso sobre nosso contexto fico com a impressão que vivemos, em todos os níveis, na reprodução de feudos e suas aristocracias, na prática de favores e de relações de dominação, que vai além das esferas do Estado e perpassa nossas relações cotidianas, quando direitos viram favores e, quando a coisa pública torna-se pessoal. Nessas ocasiões a noção de direitos se confundem com a vontade do soberano que ignora a condição do outro. Chama atenção neste contexto os utópicos e muitos revolucionários - quase sempre filhos da aristocracia que por um sentimento de compaixão e pela confusão de verem duas realidades – se põe a falar em nome daqueles que veem em fotografias ou nos versos de João Cabral de Melo Neto. Mas tem mesmo a coragem de quebrar com suas próprias estruturas? Um bom exemplo é quando estes segmentos chegam no aparelho do Estado. Alguma coisa acontece que seus discursos mudam. Um bom exemplo é que temos hoje no poder.
O que é interessante neste momento é que vivemos os dois lados da mesma moeda. Significa que tivemos oportunidades de construir cheches, escolas, quebrar velhas práticas do vício político, no entanto, o jogo do que é mais conveniente e mais “tranquilo” prevaleceu e nós – que sempre nos furtamos à responsabilidade – acreditamos que as coisas são assim e pronto. Ou como costumo ouvir: “cada um faz o seu, eu faço o meu”. Pena que este sábio não saiba responder o que fazer quando o desemprego bate na sua porta e na porta do vizinho e do seu irmão, dos sobrinhos e de 9,1 milhões de brasileiros. Isto acontece porque não estamos, ainda, preocupados com o futuro sustentável. O progresso não é minhas 72 prestações do automóvel e tudo isso fica comprometido quando se vive períodos de crise. Volta-se para o ônibus, porque não pode pagar a gasolina e as prestações do carro, põe-se a culpa num político, mas esquece que o próprio no passado defendia o que se criticava, quando na verdade tudo estava sendo jogado para debaixo do tapete.
Teria muito mais coisa a debater, mas termino sobre a perspectiva que vivemos um totalitarismo supra-ideológico. Vivemos o totalitarismo do imediatismo, do “salve-se quem puder”, regime dos fatalismos existenciais, na reprodução vazia de imagens que não fazem o menor sentido, porque estamos mais preocupados em mostrar o que não somos, do que viver daquilo que somos. Nessa preocupação não há espaços para resolução de problemas coletivos, da consolidação de direitos – que muitos que acreditaram chegaram a dar a própria vida. Enquanto isso – esclarecidos ou não – esperamos pelo outro e, o outro espera, igualmente, que alguém faça. Somos covardes esclarecidos com medo de conduzimos nossa própria existência.


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