Nestes últimos cinco anos – em que saímos do sonho de potencia
emergente para a bola da vez da crise econômica (agravada pelos
desmandos políticos) tenho visto e vivido – em várias
circunstâncias e locais – o quanto as questões que envolvem as
questões coletivas e a comunidade (no seu sentido mais amplo) são,
por vezes, princípios inexistentes em nossa sociedade. As pessoas
não estão convictas da seu papel social, da sus função -
independente da posição social. O nível de descompromisso da
cobradora de ônibus que joga a garrafa de água pela janela, após
beber água é comparável à políticos e empresários que se
beneficiam do poder para tirar benefícios prejudicando grande
parcela da população. E os bonzinhos não venham me dizer que a
mulher só faz isso porque não tem educação e os políticos tem
educação, portanto, não se compara. Não sou favorável desta
tese, porque todos em sã consciência sabem o que fazem. Prova disto é que a mulher não gostou quando reclamaram do seu mal exemplo.
As razões deste vazio pelo cuidado do público tem várias razões,
do qual não caberia aqui mostrar todos os pontos. Sobre isso acho
interessante a leitura dos Interpretes do Brasil,
do qual recomendo dois, com perspectivas diferentes: Gilberto Freyre
e Sérgio Buarque de Holanda. Mesmo
assim, a partir do meu senso comum, apresento algumas impressões.
Primeiramente, vivemos no velho costume de ficar outorgando
responsabilidades à
terceiros. O maior deles é o próprio Estado. Espera-se tudo do
Estado. Não quero afirmar que não devamos esperar, porque coisas
essencial deve ser atribuição, mas há muito que podemos fazer e
não o fazemos. O que se deixou de realizar é sempre
responsabilidade do outro. Personalizamos o coletivo e a depender da
posição que ocupamos escolhemos um “pai” (quem já não ouviu a
expressão “o pai dos pobres”) ou um vilão (a exemplo da crise
política – no qual nos furtamos a responsabilidade do que temos)
que tomamos como referência para nossa inépcia verbal.
Volto
ao exemplo do lixo. Vê-se o quanto a grande maioria não está nem
ai para o que se faz com o lixo. Não falo só do que encontramos nas
ruas. Nosso estilo de vida tem como resultado final o lixo. Nosso
progresso pautado no consumo desenfreado é pautado na destruição
desenfreada da natureza. Nosso progresso está diretamente atrelado
ao que somos obrigados a descartar, sem nenhum questionamento. Não
pensamos na pólis – no sentido de criarmos condições para as
gerações – queremos o agora, porque a única coisa que vemos são
nossas necessidades mais imediatas, recursos sempre tão mitigados.
Todos tem responsabilidades sobre a cidade, o que obviamente no
remete a um saber fazer. Que fique claro que não faço referência a
política partidária, mas a força de um sistema associativo, no
qual cada indivíduo motivado constroem as possibilidades
(perspectiva bem próxima a Tocqueville
e a Weber).
Recentemente
assisti o filme “As sufragistas”, que conta a história de um
grupo de mulheres inglesas - conhecidas por “As sufragistas – que
lutavam por direito ao voto (sufrágio universal), ou seja, lutavam
por direitos políticos e sociais e plena igualdade entre homens e
mulheres. Chama atenção o contexto do séc. XIX numa Inglaterra
conservadora e de perseguição aos movimentos sociais e políticos
contrários aos interesses da burguesia da época. No entanto, o que
fica mais evidente nesta história é a determinação, compromisso e
desprendimento em pensar questões coletivas, mesmo assumindo custos
pessoal altíssimos, como a perseguições, o abandono e até mesmo a
própria vida. Vê-se que a luta por igualdade destas mulheres não
foi algo pensado apenas por intelectuais em seus gabinetes de
universidade, nem muito menos por políticos demagogos, mas de
necessidades reais e, principalmente, pelo espírito cívico de
liberdade e igualdade, na
construção de uma sociedade melhor. Quando estou tratando disso não
estou me referindo à pessoas boazinhas, não se trata disso. A
convicção das sufragistas passavam pela certeza de que as
desigualdades e uma melhor condição de vida só seria possível
quando tod@s tomassem consciência de
princípios básicos e universais (sobre isso ver a carta da UNU
sobre os direitos universais).
Infelizmente quando penso sobre
nosso contexto fico com a impressão que vivemos, em todos os níveis,
na reprodução de feudos e suas aristocracias, na prática de
favores e de relações de dominação, que vai além das esferas do
Estado e perpassa nossas relações cotidianas, quando direitos viram
favores e, quando a coisa pública torna-se pessoal. Nessas ocasiões
a noção de direitos se confundem com a vontade do soberano que
ignora a condição do outro. Chama
atenção neste contexto os utópicos e muitos revolucionários -
quase sempre filhos da aristocracia que por um sentimento de
compaixão e pela confusão de verem duas realidades – se põe a
falar em nome daqueles que veem em fotografias ou nos versos de João
Cabral de Melo Neto. Mas tem mesmo a coragem de quebrar com suas
próprias estruturas? Um bom exemplo é quando estes segmentos chegam
no aparelho do Estado. Alguma coisa acontece que seus discursos
mudam. Um bom exemplo é que temos hoje no poder.
O que é interessante neste
momento é que vivemos os dois lados da mesma moeda. Significa que
tivemos oportunidades de construir cheches, escolas, quebrar velhas
práticas do vício político, no entanto, o jogo do que é mais
conveniente e mais “tranquilo” prevaleceu e nós – que sempre
nos furtamos à responsabilidade – acreditamos que as coisas são
assim e pronto. Ou como costumo ouvir: “cada um faz o seu, eu faço
o meu”. Pena que este sábio não saiba responder o que fazer
quando o desemprego bate na sua porta e na porta do vizinho e do seu
irmão, dos sobrinhos e de 9,1 milhões de brasileiros. Isto acontece
porque não estamos, ainda, preocupados com o futuro sustentável. O
progresso não é minhas 72 prestações do automóvel e tudo isso
fica comprometido quando se vive períodos de crise. Volta-se para o
ônibus, porque não pode pagar a gasolina e as prestações do
carro, põe-se a culpa num político, mas esquece que o próprio no
passado defendia o que se criticava, quando na verdade tudo estava
sendo jogado para debaixo do tapete.
Teria muito mais coisa a debater,
mas termino sobre a perspectiva que vivemos um totalitarismo
supra-ideológico. Vivemos o totalitarismo do imediatismo, do
“salve-se quem puder”, regime dos fatalismos existenciais, na
reprodução vazia de imagens que não fazem o menor sentido, porque
estamos mais preocupados em mostrar o que não somos, do que viver
daquilo que somos. Nessa preocupação não há espaços para
resolução de problemas coletivos, da consolidação de direitos –
que muitos que acreditaram chegaram a dar a própria vida. Enquanto
isso – esclarecidos ou não – esperamos pelo outro e, o outro
espera, igualmente, que alguém faça. Somos covardes esclarecidos
com medo de conduzimos nossa própria existência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário