Após dez anos de conflitos não havia mais o que recuperar. Já não
se sente o cheiro, apenas o frio da derrota. Pouco importa está
vivo. O gosto amargo na boca em decorrência dos gases das bombas, as
mãos ressecadas pelo calor das armas e por uma grande fome que já
assolava o país desde o primeiro ano de guerra. Alguns até sabiam
que tinham casa, ou pelo menos escombros. Outros queriam atravessar o
rio e recomeçarem a vida. De algum modo. Nas ruas zumbis caminhavam
de um canto a outro. Todos queriam um cemitério, porque a fumaça
que saia dos escombros era o maior sinal do fracasso de todos os
sonhos construídos. Já não havia nada a ser pervertido. A guerra é
a maior perversão do homem. Pode ser o ápice de sua inteligência,
mas o fracasso de sua condição.
Sem lágrimas e lamurias. Sem risos de reencontros. Em todos apenas a
certeza que precisavam retirar os escombros e reconstruir o país.
Claro que não seria a mesma terra. Demoraria pelo menos três
gerações e, pelo menos duas gerações sumindo com suas memórias
que todo um povo voltasse a sorrir. Apenas alguns poucos amantes da
história poderiam voltar ao tempo e reconstruir o que deveria ser
esquecido. Helena sempre obcecada pelo passado, que por vezes se
confundia com seus personagens. Para ela, recontar a história seria
viver duas vezes, sem o ar da novidade, mas as possibilidades de
viver sentimentos inexplicáveis. Suas maquetes davam o exemplo
disso. Do outro lado da cidade um marginal que não acreditava do
presente, que desconhecia o riso, assim como achava tolo todos que o
fizessem. A vida era seu maior azar e entre a insuportável
existência, buscava na vida de desgraçados jogados na rua uma razão
para contar o outro lado que todos negam. O quanto somos miseráveis
e egoístas. Nos negamos porque nossa consciência entorpece com o
estigma do que chamamos de fé. Assim era Pedro, que se por acaso,
seu nome vem de pedra, ele fazia questão de prova em vida que Pedro
não é pedra, mas escombros, de uma família destruída e
autodestrutiva.
Mas o que seria possível entre o improvável: Helena e Pedro? Alguma
coisa próximo ao nada está por acontecer. Escombros e morte se
reencontram na construção de algo novo …
Essa é a ideia de montar uma história ante-histórico.
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