domingo, 9 de fevereiro de 2014

Motoboy

8h30min. Dormir mal é pior que ficar uma noite acordado. Foi justamente esta indisposição que daria o ritmo do dia. Pra completar, as ruas ainda alagadas, pancadas de chuva, nada de sol, nadinha, um de inverno em pleno verão e o cansaço que pesa sobre meus olhos. A indisposição não é motivo para ficar trancado. Procuro o sapato, o que escapou de ficar molhado, porquê simplesmente me recuso comprar uma bota de chuva. Calçado e de luvas, para mais um dia de trânsito, já na saída o zelador que mal me cumprimenta em dias normais, olha pra mim e faz a seguinte pergunta:
“Você é motoboy?”
Antes de responder tentei ver rapidamente como estava vestido. Vestia uma jaqueta verde, luvas de coro, segurava o capacete de um lado e de outro a mochila. “Você é motoboy?” - Nada contra aos nobres profissionais que fazem a vida funcionar com mais rapidez nas empresas-, mas fiquei incomodado.
Com certa obviedade, a resposta foi bem mais simples que a bela pergunta:
“Professor. Sou professor” - num tom seco e direto, mas com a sensação de que não estava minimamente nas condições condizentes à minha afirmação.
Diante de algo tão imbecil e de um estado de espírito nada animador, algo que já não era muito bom, parece ter ganhado um tom ainda mais cinza. Tudo bem! Vive-se como pode. Quem sabe isso não é o futuro mesmo. Não ando animado, uma condição do 'espírito', quem sabe da dura vida deste motoboy que escreve algo que parece não fazer o menor sentido.
Perguntinha mais besta e sem sentido. Não sou muito de me aborrecer com esses tipos de bobagens, mas essa perguntinha idiota até hoje me incomoda. Dias depois, descendo as escadas para mais um dia de trabalho, antes de pô o capacete, o zelado chegou até o motoboy que se preparava e disse:
“Desculpa. Aqui tinha um motoboy que morava no segundo andar”.
Que porcaria ele estava dizendo? Minha preocupação era resolver alguns problemas, depois seguir até uma livraria e buscar um título destinado àqueles que acham que podem escrever, mas não sabem escrever. Respondi da forma mais simples e terna: cara sisuda, o suficiente.
Minha indignação é o direito que exerço não gostar de colocações idiotas e ficar irritado com elas. Não gosto de fazer o tipo de intelectual que acha bonitinho uma perguntinha idiota de alguém, tido pelas teorias mais mirabolantes, ausente de qualquer compreensão de mundo. Não uso e não gosto da falsa piedade dos sábios, e sabe de uma coisa? Esse Zelador tava tirando uma onda com minha cara.
No mais, me interessa as leituras que pretendo fazer, de algumas poucas coisas que pretendo escrever, sendo ou não, motoboy ou professor. De qualquer lado as possibilidades são as mesmas, desde que sua capacidade esteja além dos esteriótipos. Tenho pena dos que veem apenas o segundo aspecto. À estes cabe apenas a superfície do conhecimento, os quadrados, tão quadrados quanto a aparência que aos seus olhos lhe parecem serem mais dignos. No fundo é a velha mania e necessidade que as pessoas tem de ficarem enquadrando as outras pela aparência, tudo numa maldita caixa. Eu, realmente, ando chateado com essas coisas, e essa de motoboy não engoli...

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