sábado, 16 de novembro de 2013

O que 'Arendt' me levou a pensar



Texto escrito fora do exílio (Postado a partir do exílio, meu lugar preferido).
Tive a grata oportunidade de assistir o filme Hannah Arendt. Muitos colegas e conhecidos disseram que tinham assistido e limitavam-se sempre a dizer: “Ah, muito bom esse filme!” Devo agora dizer que concordo com eles mas, não tomarei como argumento para falar do filme com o mesmo jargão. Não classificarei como “muito bom!” Digo apenas: reflexivo. Não é um filme para se dizer apenas: “muito bom!” Acho isso muito pouco diante da qualidade da história que nos é repassada. Não vou narrar a história do filme por considerar uma coisa chata e, se por acaso, alguém se interessar recomendo assisti-lo. Não vai se arrepender.
O que ficou pra mim é algo que está corrente na sociedade atual. O que vivemos é, realmente, a verdade? Até que pontos estamos abertos a enxergar a realidade de forma abrangente e crítica, mesmo que isso vá de encontro às nossas questões mais pessoais e/ou quando envolve nossas escolhas? Confesso que não sei se isto é uma reflexão pertinente a um sociólogo de quarta divisão, como este que escreve. Tenho plena consciência que a realidade como está posta é algo incontestável, independente da posição política e ideológica. Nos últimos dias tenho pensado nisso. Muitos dizem que isto não é mais o relevante. … Em parte isto é verdade, em parte não. Apesar de vê a gestão do PT com sérios problemas e de ter me decepcionado em muitas questões, tenho que considerá-lo como um governo de esquerda, mesmo quando escuto neoliberais argumentando que esta é uma tendência. Na verdade acho tudo isso muito pequeno e irrelevante. Mas o que me deixou pensativo foi sobre o papel do pensar e de construir algo a partir do pensamento e, é justamente neste ponto que está minha crítica. Pouco importa a posição do indivíduo ou daquilo que ele faça, mas é importante que ele saiba o que está fazendo e, que não se torne apenas um burrocrata do sistema e que faças as coisas porque assim a sociedade está determinando. Aliás, determinado de determinismo. Ou seja, de coisas que não podem, em hipótese alguma, serem questionadas.
Quantas coisas hoje se tornaram inquestionáveis? Isso está diretamente relacionada à nossa covardia em tomarmos uma posição. Agimos pelo que é mais conveniente e, encontramos a partir disso nossas justificativas. Vejo o impulso do consumo como um modelo de felicidade como um belo exemplo. Lembro, por exemplo, de uma pergunta que um ex-colega e amigo me fez:
Vai dizer que se pagassem uma grana boa você não iria trabalhar para aquela bandeira?”
Ou seja, basta que você faça a coisa da maneira mais 'profissional' possível que estará tudo bem. Infelizmente naquela época era ainda mais tolo do que sou agora e, por isso, não tinha palavras para responder uma questão dessas – apesar de não concordar com o argumento. E assim, vamos agindo em função dos interesses pessoais - que devem acontecer - mas, não nos damos conta de pensarmos sobre estes ou pelo menos negamos algo tão próprio de nossa condição enquanto 'categoria' que chamamos de 'seres humanos'. Nos colocamos nessa categoria numa posição de superioridade e nos damos o direito de usá-las sem a responsabilidade necessária. Matamos a natureza, destruímos todos os dias um pouquinho de nossa saúde, engolimos todas as porcarias que nos passam em força de conteúdos e/ou de valores, colocamos as normas em valores de ordem, num lugar de autoritarismo da fatalidade, quando a única fatalidade que deveríamos ter presentes é a morte que vem pra todos, mas que todos negam - por meio de padrões estéticos que nos deixa todos iguaizinhos – do mesmo modo que foi proposto por governos autoritários.
Quando falo em pensar, não me refiro apenas a categoria que estava presente no filme – até porque esta é mais sofisticada e, por isso, filosofia. Pensar, neste caso, pode ser a própria possibilidade que temos de pensar nossa existência, nos deparando com problemas que podem ser inevitáveis. A fome, a pobreza, a doença, as dores que relaciono como remediáveis, mas que ao bater em nossa porta podem ser inevitáveis (pelo menos num primeiro momento). Sentir a dor de qualquer uma dessas questões pode nos exigir um tempo, àquele necessário que só nos conhecemos pra nos recuperarmos e, aqui vem o dado importante: de algum lugar é preciso repensar a existência e, assumi-la pra si ao invés de culpar o(s) outro(s). Esse filme me levou a pensar nessas questões. Se estou certo? Acho que não sou o mais indicado para escrever sobre isso. Conheço, em parte, minhas limitações. Esta é uma delas. Ao contrário de muitos covardes que conheci sempre me posicionei sobre as questões que se colocam sobre mim e, ao contrário dos que muito pensam, sempre aceitei e sempre fui leal àqueles que discordam de mim. Estes são os melhores para se surpreender positivamente. Os outros não. Se afastam se as coisas não estiverem bem. Bom! Mas isto não tem a menor importância. Pra mim ficou muito mais que “muito bom!” Por enquanto é isso! Estou com poucas ideias, ando pensando sobre …

Obs.: Ah! Só pra não passar. Para Arendth o importante não era apenas julgar Adolf Eichmann, mas o sistema, suas instâncias burocráticas e totalizantes. O que ela demonstra é que o Estado pode ser tão totalizante que pode tirar do homem a capacidade de pensar, refletir. Até que ponto o capitalismo (ou o sistema que estamos inseridos) se totaliza sobre nós? Parece que nesse tempo de poucas utopias, o imediatismo tem se constituído uma arma eficaz no gerenciamento de nossas atitudes.

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