domingo, 10 de novembro de 2013

Considerações sobre o nada.

Mais um final de ano. Ao contrário de muitos para mim uma data como qualquer outra. Nenhum sentimento. Apesar disso, impossível não observar o comportamento de algumas pessoas. A começar pela arrumação da cidade. É inegável e inevitável não percebemos que chega o natal e o final de ano. Luzes espalhadas por toda à cidade. Em prédios comerciais, residências, lojas. A movimentação do comercio, também, é outra. Momento que nós trabalhadores recebemos um dinheirinho extra e aproveitamos para comprar o que aguarmos o ano inteiro pra comprar. Falam do natal como festa do consumo mas, será que poderia ser diferente? Se o dinheirinho que recebemos no final do ano fosse em abril? A grande maioria vive na escassez e no aperto, numa rotina de trabalho que lhes tiram a possibilidade de trabalhar para viver, o que se vê é o contrário: vivem pra trabalhar. Penso que a partir disso muitos usam todo o clima que o capitalismo para o consumo para sair desta rotina desgastante. Soma-se isso ao ritual e as simbologias que há no natal.
Bom! Mais uma vez, inevitável. Nos shopping, nas lojas do centro da cidade, o corre-corre de pessoas com sacolas. Um frenesi de carros apressados, cheios de pessoas estressadas querendo o quando antes fazer suas compras de natal. Nas filas já se nota as músicas de amor. Casais mais apaixonados carregando pacotes, beijinhos no rosto. Passei de frente ao conhecido restaurante, discretamente um cartaz: “Precisa-se de Garçom”. Dois caminhões tinham acabo de encostar. Um de bebidas numa carga reforçada, outro com mantimentos. Passei de volta, já era noite. Lotado. Pessoas rindo, conversando, casais abraçados na grande celebração. Será assim até janeiro de 2014. Na fila de um tradicional mercado, movimentação intensa. A imagem parecia a mesma do ano passado. A classe média feliz. O homem barrigudo, vestido distintamente ao lado de sua senhora. Ele apreciava seus litros de uísque, ela olhava pra algum lugar que não era àquele, de vez por outra beijinho no rosto. Para deixar o ambiente mais harmônico músicas natalinas, algumas canções religiosas. Isso não cansa. Uma hora na fila e, há quem fala mal de Cuba. Imagina!
Gracias! Falta muito pouco. Alguns dias em casa trancado no meu quarto escuro lendo, talvez, Henry Miller – escritor maldito. Gosto muito desses tipos. Estão longe de qualquer formalidade academicistas e, sua linguagem não combina com a fineza aristocrática simbioticamente transformada e transtornada em classe média. Penso em Miller nesse momento justamente por não tirar das lembranças o movimento sofrível e deprimente da criança que esperava sua mãe conversar com aquele que poderia ser seu possível pai. Uma família que não era família.
O local não é dos melhores. Típico bar, bar mesmo, não são esses restaurantes bregas que encontramos por aí. Bar. Homens bêbados e descompromissados consigo mesmo. A fumaça do cigarro que se misturavam com o cheiro de fritura dos tira-gostos. Bebidas servidas em copos americanos. Homens e mulheres com olhares distantes e bebendo muito. Por que faria diferente? É o lugar que me conduz a lugar nenhum, fora dos padrões onde qualquer pessoa que me encontrasse poderia falar “você aqui?!” Mas tenho certeza que não encontrarei nenhum desses. Mas infelizmente, não pude sentar na minha mesa preferida. Uma mesa que tem a imagem do Doutor. Lá já estava a família que não era família. Um homem branco de estatura mediana, cabelos pitados de castanho claro, com um bigode à Hitler. Camisa branca com listas num tom mais escuro. Bem engomada, por sinal. De um aliamento de dar inveja, certamente, feito por alguém que cuida bem dessas coisas. Calça jeans clássica. Sapatos mocassim. Não estava tão interessado na observação não fosse o momento em que o distinto cidadão levanta-se para atender seu celular fora do bar. Àquele bigode por uma série de razões me lembrou um monte de outros. Seu jeito desconfiado ao segurar o celular, à maneira desconfortante como a mulher ficou, principalmente, quando afastou sua filha. Devia ter uns quatro anos de idade. Vestido de tecido, sapatilhas de borracha de um rosa choque intenso. Ela tentava puxar a mãe pelo braço, que num gesto de brusco a fez sentar novamente na cadeira que estava localizada atrás da sua. Daí via-se apenas suas pernas balançado impacientemente. Movimento de vai e vem do rosa choque emborrachado.
Cinco minutos depois o homem volta. Com passos lentos e olhar fixo na mulher com quem conversava faz um sinal com a mão como quem pede para esperara e passa direto pro banheiro. Volta. Senta. Na mesa cinco garrafas de cerveja vazia. Os dois bebiam muito. Um prato, quase não tocado. Dois copos de caldinho vazios. A conversa parecia não ser das melhores. Seus rostos estavam muito próximo, acho que eram pra conversar discretamente. Pensei o que faria os dois estarem ali. Não se pareciam. Mulher negra, um pouco mais alta que ele e, um pouco acima do peso. Em algum momento percebi que ela chorava, discretamente. Ele continuava falar baixo, discretamente, sem demonstrar qualquer alteração. Apenas bebia, já eram oito garrafas. O movimento daqueles sapatos rosa me incomodavam. Pensei no meu filho e na sua educação. Não gostaria que ele estivesse ali, mas ela estava ali e, a mãe parecia não dá a mínima como todos que estavam por lá. Na nona cerveja já era possível um sorriso da mulher. “Muito estranho!” pensei e, aquele cheiro de cigarro e frituras dava o tom de que não estava bem. Sinto que alguma coisa tinha mudando e, não era o local. Por alguma razão me senti um velho, porém, não conservador. Velho porque meu corpo já não aguentava aquela bebida gelada. O rosa choque me deu náuseas. Nem todo mundo tem estomago pra encarar a realidade.
Cada vez mais o local ficava cheio. Todas as mesas ocupadas. Baixei a cabeça. Dizia pra mim que seria a última vez. “Tenho que entrar no colorido da classe média”, arranjar um novo local pra sentar e escrever. Até Miller fez isso! Não adianta criar ilusões. O mundo se reproduz em cima dos seus erros. O futuro se refaz em cima de histórias e istórias e, qual seria a história e istória daquele homem? E daquela mulher? As diferenças estavam postas. Quando eles foram embora me senti melhor. Pedi um refrigerante. Bebi lentamente. Àquele não era o meu melhor momento. Pouco tempo depois outro casal sentou naquela mesma mesa. Achei incrível a semelhança com o casal anterior. Pareciam descontentes e, todos os seus gestos e palavras pareciam ensaiados. Desta vez assisti como se estive no teatro, próximo ao palco. O homem - péssimo ator. A mulher – uma bela atriz deprimida pelo papel que fazia. Cena perfeita. Em trinta minutos não se falaram. Eles bebiam, bebiam e olhavam pra televisão, que não dava pra ouvir nada por conta do barulho que vinha de outros bares. Depois do meu último copo de refrigerante tinha tomado uma decisão: voltarei a este maldito local, porém, preciso de um tempo, meu corpo precisa desse tempo – minha cabeça precisa de um tempo. Paguei e saí.

Pretendo voltar daqui a dez anos. Quero vê quem vai resistir mais. A opção é a mesma que alguns escritores fazem. Assistir as pessoas nesse grande palco. Vendo as pessoas em cima desse grande palco, olhando os espectadores – um pouco abaixo – falando suas ironias àqueles que consideram 'inferior' por não participar dessas encenações. Como escritor, aproveitarei cada centavo deste ingresso. Tomarei nota de cada risinho irônico e, tentarei ficar calado. As considerações será sobre o nada. Acho que neste natal será bem mais fácil fazer isso. Do lado, Miller – àquele velho safado – que esnobava desse progresso e dessa feliz capacidade que as pessoas tem de alegrarem com aquilo que podem comprar. O natal é bom por conta disso. É mais fácil ver essas pequenas misérias, afloradas pelo bom sentimento que toma conta de todos e, que se repete num ritual vazio e de considerações sobre o nada.

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