Mais um final de
ano. Ao contrário de muitos para mim uma data como qualquer outra.
Nenhum sentimento. Apesar disso, impossível não observar o
comportamento de algumas pessoas. A começar pela arrumação da
cidade. É inegável e inevitável não percebemos que chega o natal
e o final de ano. Luzes espalhadas por toda à cidade. Em prédios
comerciais, residências, lojas. A movimentação do comercio,
também, é outra. Momento que nós trabalhadores recebemos um
dinheirinho extra e aproveitamos para comprar o que aguarmos o ano
inteiro pra comprar. Falam do natal como festa do consumo mas, será
que poderia ser diferente? Se o dinheirinho que recebemos no final do
ano fosse em abril? A grande maioria vive na escassez e no aperto,
numa rotina de trabalho que lhes tiram a possibilidade de trabalhar
para viver, o que se vê é o contrário: vivem pra trabalhar. Penso
que a partir disso muitos usam todo o clima que o capitalismo para o
consumo para sair desta rotina desgastante. Soma-se isso ao ritual e
as simbologias que há no natal.
Bom! Mais uma vez,
inevitável. Nos shopping, nas lojas do centro da cidade, o
corre-corre de pessoas com sacolas. Um frenesi de carros apressados,
cheios de pessoas estressadas querendo o quando antes fazer suas
compras de natal. Nas filas já se nota as músicas de amor. Casais
mais apaixonados carregando pacotes, beijinhos no rosto. Passei de
frente ao conhecido restaurante, discretamente um cartaz: “Precisa-se
de Garçom”. Dois caminhões tinham acabo de encostar. Um de
bebidas numa carga reforçada, outro com mantimentos. Passei de
volta, já era noite. Lotado. Pessoas rindo, conversando, casais
abraçados na grande celebração. Será assim até janeiro de 2014.
Na fila de um tradicional mercado, movimentação intensa. A imagem
parecia a mesma do ano passado. A classe média feliz. O homem
barrigudo, vestido distintamente ao lado de sua senhora. Ele
apreciava seus litros de uísque, ela olhava pra algum lugar que não
era àquele, de vez por outra beijinho no rosto. Para deixar o
ambiente mais harmônico músicas natalinas, algumas canções
religiosas. Isso não cansa. Uma hora na fila e, há quem fala mal de
Cuba. Imagina!
Gracias! Falta
muito pouco. Alguns dias em casa trancado no meu quarto escuro lendo,
talvez, Henry Miller – escritor maldito. Gosto muito desses tipos.
Estão longe de qualquer formalidade academicistas e, sua linguagem
não combina com a fineza aristocrática simbioticamente transformada
e transtornada em classe média. Penso em Miller nesse momento
justamente por não tirar das lembranças o movimento sofrível e
deprimente da criança que esperava sua mãe conversar com aquele que
poderia ser seu possível pai. Uma família que não era família.
O local não é
dos melhores. Típico bar, bar mesmo, não são esses restaurantes
bregas que encontramos por aí. Bar. Homens bêbados e
descompromissados consigo mesmo. A fumaça do cigarro que se
misturavam com o cheiro de fritura dos tira-gostos. Bebidas servidas
em copos americanos. Homens e mulheres com olhares distantes e
bebendo muito. Por que faria diferente? É o lugar que me conduz a
lugar nenhum, fora dos padrões onde qualquer pessoa que me
encontrasse poderia falar “você aqui?!” Mas tenho certeza que
não encontrarei nenhum desses. Mas infelizmente, não pude sentar na
minha mesa preferida. Uma mesa que tem a imagem do Doutor. Lá já
estava a família que não era família. Um homem branco de estatura
mediana, cabelos pitados de castanho claro, com um bigode à Hitler.
Camisa branca com listas num tom mais escuro. Bem engomada, por
sinal. De um aliamento de dar inveja, certamente, feito por alguém
que cuida bem dessas coisas. Calça jeans clássica. Sapatos
mocassim. Não estava tão interessado na observação não fosse o
momento em que o distinto cidadão levanta-se para atender seu
celular fora do bar. Àquele bigode por uma série de razões me
lembrou um monte de outros. Seu jeito desconfiado ao segurar o
celular, à maneira desconfortante como a mulher ficou,
principalmente, quando afastou sua filha. Devia ter uns quatro anos
de idade. Vestido de tecido, sapatilhas de borracha de um rosa choque
intenso. Ela tentava puxar a mãe pelo braço, que num gesto de
brusco a fez sentar novamente na cadeira que estava localizada atrás
da sua. Daí via-se apenas suas pernas balançado impacientemente.
Movimento de vai e vem do rosa choque emborrachado.
Cinco minutos
depois o homem volta. Com passos lentos e olhar fixo na mulher com
quem conversava faz um sinal com a mão como quem pede para esperara
e passa direto pro banheiro. Volta. Senta. Na mesa cinco garrafas de
cerveja vazia. Os dois bebiam muito. Um prato, quase não tocado.
Dois copos de caldinho vazios. A conversa parecia não ser das
melhores. Seus rostos estavam muito próximo, acho que eram pra
conversar discretamente. Pensei o que faria os dois estarem ali. Não
se pareciam. Mulher negra, um pouco mais alta que ele e, um pouco
acima do peso. Em algum momento percebi que ela chorava,
discretamente. Ele continuava falar baixo, discretamente, sem
demonstrar qualquer alteração. Apenas bebia, já eram oito
garrafas. O movimento daqueles sapatos rosa me incomodavam. Pensei no
meu filho e na sua educação. Não gostaria que ele estivesse ali,
mas ela estava ali e, a mãe parecia não dá a mínima como todos
que estavam por lá. Na nona cerveja já era possível um sorriso da
mulher. “Muito estranho!” pensei e, aquele cheiro de cigarro e
frituras dava o tom de que não estava bem. Sinto que alguma coisa
tinha mudando e, não era o local. Por alguma razão me senti um
velho, porém, não conservador. Velho porque meu corpo já não
aguentava aquela bebida gelada. O rosa choque me deu náuseas. Nem
todo mundo tem estomago pra encarar a realidade.
Cada vez mais o
local ficava cheio. Todas as mesas ocupadas. Baixei a cabeça. Dizia
pra mim que seria a última vez. “Tenho que entrar no colorido da
classe média”, arranjar um novo local pra sentar e escrever. Até
Miller fez isso! Não adianta criar ilusões. O mundo se reproduz em
cima dos seus erros. O futuro se refaz em cima de histórias e
istórias e, qual seria a história e istória daquele homem? E
daquela mulher? As diferenças estavam postas. Quando eles foram
embora me senti melhor. Pedi um refrigerante. Bebi lentamente. Àquele
não era o meu melhor momento. Pouco tempo depois outro casal sentou
naquela mesma mesa. Achei incrível a semelhança com o casal
anterior. Pareciam descontentes e, todos os seus gestos e palavras
pareciam ensaiados. Desta vez assisti como se estive no teatro,
próximo ao palco. O homem - péssimo ator. A mulher – uma bela
atriz deprimida pelo papel que fazia. Cena perfeita. Em trinta
minutos não se falaram. Eles bebiam, bebiam e olhavam pra televisão,
que não dava pra ouvir nada por conta do barulho que vinha de outros
bares. Depois do meu último copo de refrigerante tinha tomado uma
decisão: voltarei a este maldito local, porém, preciso de um tempo,
meu corpo precisa desse tempo – minha cabeça precisa de um tempo.
Paguei e saí.
Pretendo voltar
daqui a dez anos. Quero vê quem vai resistir mais. A opção é a
mesma que alguns escritores fazem. Assistir as pessoas nesse grande
palco. Vendo as pessoas em cima desse grande palco, olhando os
espectadores – um pouco abaixo – falando suas ironias àqueles
que consideram 'inferior' por não participar dessas encenações.
Como escritor, aproveitarei cada centavo deste ingresso. Tomarei nota
de cada risinho irônico e, tentarei ficar calado. As considerações
será sobre o nada. Acho que neste natal será bem mais fácil fazer
isso. Do lado, Miller – àquele velho safado – que esnobava desse
progresso e dessa feliz capacidade que as pessoas tem de alegrarem
com aquilo que podem comprar. O natal é bom por conta disso. É mais
fácil ver essas pequenas misérias, afloradas pelo bom sentimento
que toma conta de todos e, que se repete num ritual vazio e de
considerações sobre o nada.
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