domingo, 23 de outubro de 2011

Ufa! Acabou a semana

O trabalho que fazia pela manhã continuava sem a menor graça. Planejar orçamentos, listas de compras. Do lado de fora funcionários preocupados com aumento do salário, o cheirinho de café dava o tom da conversar. Em seis anos um acumulo de cansaços, decepções, derrotas. Pouca coisa faz sentido, ou melhor, nada faz sentido, porque estamos sentidos com tudo. Mesmo assim, continuo com essa luta solitária. “Tudo Bem!” Vou entregar tudo que tem pra entregar mas, meio dia. O telefone toca.
 Alô, quem fala? - esqueço sempre de olhar no visor o nome do contato – E ai, rapaz! Como vai...?
 Olha tu já almoçasse?
Era tudo que precisa ouvir. Fechei o mais rápido que pude o computador. Desliguei o ar. Na fila do elevador, velhos conhecidos e conhecidas. Alguns já aposentados mas, sempre lá. Outros e outras, velhos, mas ainda na ativa, assim como no século passado pouco fazem, os mesmos costumes de julgarem os outros, de sentirem-se seguros e o resto do mundo que foda-se. Desci de escada, não queria perder a fome com esses insignificantes. Desci um, dois, três, quatro, no quinto um idiota falava alto conversando no telefone celular, parecia discutir com a mulher, não deu tempo de escutar tudo, desci com fome. No térreo minhas pernas tremiam, “ai, ai, como estou forma de forma”. Onde está aquele pseudo atleta? Enquanto saia muitos, apressados, chegavam ansiosos para falarem com seus senhores e senhoras. Um ambiente sério, com pessoas sérias. Ninguém olha ninguém, faço questão de encarar e, fazer com me vejam como um completo idiota. Alguns olham e me satisfazem com seu espírito de superioridade. É assim em muito lugares. O que importa é que já tomava o caminho da rua.
Ao meio dia as coisas são sempre lentas, nossa atenção está um prato de comida, ôôô bendita comida que pode ter bebida também. Mas hoje não. Sem bebidas, só comidas. Atravessei o mais rápido que pude porque tinha o amigo esperando. Faltando cem metros dava pra ouvir a grande quantidade de vozes que se confundia aos barulhos de automóveis lentos. O cara estava lá, sentado na entrada de um restaurante com uma estética de rancho de luxo, como se pudéssemos em algum momento lembrar alguma coisa nas cidades do interior. Madeira, porteira, mesas de madeiras rústicas cobertas com um tecido que poderia, de longe, lembrar couro. Tudo falso, com exceção das mesas que eram rústicas e do novo cliente que chegava, igualmente, genuinamente rústico do interior. Ninguém poliu, preferencia da amada família. O que importa é que estava lá.
 E ai cara demorei? - estendi a mão e dei-lhe um aperto.
 Que nada. - levantou o copo – Tô aqui tomando uma dose de uísque.
Organizo a bolsa numa cadeira, enquanto tento me acomodar. Do meu lado uma jovem mulher aproxima-se com a técnica habitual de atendimento:
 Boa tarde senhor! - faz um gesto com o corpo querendo inclinar-se - já pediu?
Como sempre faço questão de observar cada movimento cada palavra. Ao contrário de muitas que tive a oportunidade de observar esta demonstrava segurança. Olhos grandes, negros, sua estatura mediana e roupa bem justa ao seu corpo, deixou uma boa impressão. Uma mulher bonita, com lábios bem proporcionais ao seu belo rosto. O cabelo amarrado não impediu de imagina-los soutos. Foi tudo que vi. Voltei para o amigo que terminava de bebericar a última dose. Peguei das mãos pequenas e finas da atendente o cardápio.
 Qualquer coisa pode me chamar – disse, enquanto olhava os preços.
“Qualquer coisa” não é algo que se encontra por ai, pensei. É mais comum algo fora do qualquer coisa. Naquele momento só poderia ser uma carne, uma salada, uma bela macarronada, menos, qualquer coisa. Qualquer coisa se fosse possível seria convidar àquela morena de estatura mediana para conversar, contar sua vida e, quem sabe, escrever uma livro sobre sua família e seu príncipe encanto. Sei que muita gente poderia pensar que estivesse pensando em sexo, não nada de sexo, ela não faz meu tipo, nada de sexo, nada de problemas, prefiro canalizar toda essa necessidade para a viagem espiritual, para o belo prato de macarrão e foi o que fiz.
 Olha amigo, quero macarrão
 Tudo bem, então pede macarrão mas, pede, também, uma dose de uísque – disse entusiasmado.
 Moça. Moça – levantei o braço. Não demorou muito pra ser notado. Acho isso muito bom é sinal de que pelo menos ela me atende como cliente. Fez um gesto com a mão mandando esperar.
Enquanto nada era resolvido é preferível conversar sobre o chato cotidiano. Mas foi rápido. Já estava do meu lado, meu próximo. Abaixou e pude escutar sua voz firme:
 Vocês vão querer o quê?
Apontei com o dedo e complementei: - E uma dose de uísque, por favor!
O uísque chegou rápido, o macarrão vinte minutos. Um outro garçom trouxe pratos grandes, brancos, um pouco manchados no centro, talheres fechados em bolsinhas de picolé, feijão em potes de louça, o mesmo para o arroz e tomates. Não vejo alegria nenhuma nessas refeições. No entanto, o local estava lotado, pareciam entusiasmados com as conversas. Mais atrás alguns profissionais da minha área bebiam. Eu e o velho amigo dividimos a macarronada. Comemos. O telefone toca duas vezes. Pra minha surpresa, o de sempre: trabalho, trabalho, maldito trabalho. Desliguei sem espanto, admirado por vê alguém que trabalha sem as mascaras das palavras. O prato vazio e com todos os acessórios pronto para voltarem à pia, pedimos a conta.
Cada um pro seu lado. Não quero voltar para o centro que suga minhas energias. É melhor ficar num lugar calmo, sem esperar nada, o que é muito ruim. Nada de planos, estou com pouco dinheiro e os bancários continuam em greve. Não posso pedir dinheiro: é feio, imoral e engorda. O celular toca duas vezes. Quero ficar em casa mas, ao que tudo indica não posso, não posso fazer escolhas, no entanto, ainda acredito em mentiras como a liberdade, resta pouca coisa a fazer, a não ser esperar que o filme comece. Ainda bem que hoje é sexta-feira. Sexta, ufa! Acabou a semana.

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