segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ele está voltando porque as coisas estão muito ruins pro nosso lado.

Domingo, final do mês de junho. Normalmente esses dias são de chuvas mas, pra contrariar as intenções de Marcos, sete horas da manhã, o sol brilhava. Dia perfeito para quem gosta de ir à praia, melhor ainda pra quem gosta de fazer churrasco com os amigos. Bem que, naquele dia especifico, faria isso sem reclamar. Sairia do seu esconderijo, deixaria a corrida de formula 1 sem graça, trocaria o fogão ou algumas obrigações caseiras e iria com qualquer conhecido.. Quantas vezes tinha recusado a convites parecidos?
Mas tudo bem não havia muito o que fazer. O mais importante tinha acontecido. Seu pai estava bem. Agora faria uma visita. A fila de hospital em dia de Domingo, quase sempre, é muito grande, não dava pra contar as pessoas, via-se que dava voltas e, por isso, resolveu encarar a fila. Quinze minutos antes liberam para que as pessoas aos poucos fossem entrando. Muitos seguranças faziam revista de bolsas.
Marcos observava os seguranças com o mesmo critério que olhava todos os outros. Simplesmente não conseguia entender a lógica de trabalho desses profissionais. Muito bem amarrados em suas fardas, muitos (e muitas) mais inchados do que fortes, com uma arma na cintura e uma eterna desconfiança no olhar. Apesar de não entender os considera importantes. Organiza a fila e checam as bolsas, super importante pra nossa segurança, orientam àqueles que estão perdidos. Como Marcos não estava perdido e nem tinha bolsas, passou sem nenhum problema.
Passados as duas primeiras portas sentiu um aperto invadir-lhe a consciência. Tinha pavor de hospital e não demoraria muito, o primeiro que viu no corredor, um homem muito magro carregando um suporte de soro. O corte vinha do inicio da barriga até bem próximo do peito. “Parece que foi aberto e empalhado” pensava, enquanto, via aquele sr. - “E se meu velho estiver assim” Parou no meio do corredor. Olhou pra trás. Em uma das entradas dois agentes penitenciários faziam a segurança, observavam quem entrava e saia, sem que ninguém notasse um terceiro passa informações no rádio aos dois da portaria.
Seguiu por outro corredor, este bem maior e escuro. De um lado, o setor de cozinhas e refeitórios, do outro, celas com loucos, que se misturavam a entulhos e muita sujeira. Alguns andando de um lado pra outro, sem nenhuma lógica, como animais numa jaula. Passou por mais dois corredores paralelos, todos com pessoas em cadeiras de rodas, vestidos com roupas azuis, com longas aberturas nas costas, mais dois passos chegaria, enfim, no leito 1212 2. Virou a direita. Um grande corredor com salas de um lado e outro, alternando com guichés repletos de documentos, velhas gordas com jalecos quase brancos. Na 1212 2 via seu pai deitado, olhando para o teto, uma das mãos levantadas dedilhando alguma coisa na parede. Da porta fez-se notar:
- Pai!?
O pai virou-se e chamou:
- Oh Marcos, meu filho, entre. Estou bem!
Marcos segurou-lhe a mão. Garganta apertada mas, segurou firme sua mão. Tinha entendido que tudo tem seu tempo. Aproveitaram para conversarem sobre coisas rotineiras. Trabalho, negócios principalmente do pai, que agora afastado contaria com ajuda fundamental do irmão de Marcos. Sentado num banquinho viu duas senhoras entrarem com suas bíblias.
A mais gorda, vestia-se com roupas tão antigas que se vista pela TV, poder-se-ia pensar tratar de algum programa de época. Mas apesar de tão antigo, a fé – algo novo para os que nunca tiveram nada -, trazia um olhar perverso e muitos conselhos:
- Com licença meus irmãos. Paz do Senhor!
No quarto dois pacientes. O pai de Marcos e jovem, que dormia. Marcos e o acompanhante do jovem, pela primeira vez, se olham e inconscientemente, parecem estar aborrecidos com as velhinhas tão preocupadas em salvar a humanidade do seu eterno pecado: existir. Elas continuaram com palavras santas de amor e esperança:
- Meus irmãos as coisas estão FEIAS pro nosso lado, muito feias pro nosso lado. Vai acontecer muita coisa nesse mundo. - Enquanto isso, a outra distribuía papeis. “Poderia ser dinheiro” pensou alto Marcos.
- SAIA DO PECADO E ACEITE SE QUISER SER SALVO - gritou uma das pregadoras .
Marcos levantou. Ficou na porta. Não podia falar, ouvia as palavras de amor e conforto das pregadoras:
- As coisas estão muito ruins e ainda vai ficar pior. Se preparem porque só vai ficar salvo quem crê.
- E quem não crê – perguntou Marcos?
- Quem não crê, como você, vai pro inferno. Vou rezar por você seu infeliz. Alma triste e pecadora.- Disse a senhora, tão vermelha e eufórica. As veias queriam de sua garganta.
- Vou chamar o pastor – disse a outra, que saiu empurrando o incrédulo infiel Marcos.
O rapaz que dormia de tão irritado saltou como um gato até sua cadeira de rodas. Começou a movimenta-se como os jogadores de basquetes cadeirantes, rodopiou duas vezes em torno da outra senhora. Ria loucamente: HAHAAAAAHAAA!
Da porta Marcos aplaudia. Alguns pacientes e visitantes que passavam pelo corredor pararam para vê a habilidade e disposição do jovem, alguns o aplaudem. A senhora termina sua visita lançado sobre Marcos e o outro rapaz maldições para o dia da vinda. Ficou por lá mais trinta minutos, vinte a mais do permitido. Marcos foi pra casa com alucinações. A voz irritante daquelas velhas se misturava com imagens de pacientes cadavéricos que andam de um lado pra outro como zumbis, de enfermeiras gordas ansiosas pela aposentadorias sem nenhuma sensibilidade sobre a vida e morte, o cheiro está em sua pele, no jeito grosseiro como trata a todos. Na saída os mesmos guardas: dois assistindo programa de auditório (vinte anos a mesma coisa).
Já fora do hospital olhou para o céu, respirou fundo e saiu. Em tudo qu viu e ouviu foi forçado em concordar:
- De fato, 'as coisas estão muito ruim pro nosso lado'.

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