quinta-feira, 7 de abril de 2016

Trecho do livro

Estou tentando escrever meu primeiro livro - certamente no gênero romance - lançando alguma ideias, conectando personagens e (h)istórias. Não sem ainda onde isto mais me levar, nem mesmo se vou conseguir, mas estou fazendo. Há uma série de outras coisas, também, como o próprio talento para desenvolver uma história, algo que os escritores chamam de "fôlego", ou seja, uma mistura de talento, criatividade e técnica. Estou vendo que escrever um romance (ou novela) é algo bem complexo e que - neste gênero - existe uma diferença enorme entre ler e escrever. Bom! Enfim, vamos vê no que vai dá!

Trecho:

1º trecho:

7h35 min. Deitado numa calçada, sujo pelo próprio vômito. Após muito tempo não dá pra saber o que as pessoas pensavam ao me verem naquele estado. Alguns olhavam com certo desprezo, talvez imaginassem se tratar de algum alcoólatra ou viciado em drogas. Cheguei a olhar pro céu, mas não pedia nada a Deus. Não sabia o que estava acontecendo. Cheguei a pensar que poderia está morrendo. Ali! Numa calçada a centenas de quilômetros de minha antiga casa. E, se por acaso, àquele corpo de um metro e oitenta pesando sessenta e quatro quilos de fato não aguentasse? Tinha jogado tudo pra fora. Sempre achei aquilo estranho, porque não era fácil o silêncio, diante de insultos como: “Vagabundo. Eu trabalhava e estudava”. Olhei pro céu, depois procurei um lugar mais reservado. Cambaleante, consigo um local discreto. Sinto uma dor terrível no estômago, imaginei que poderia ser um punhal perfurando e fazendo movimentos circulares. Foi o melhor sentimento que poderia ter vindo.
Precisava lutar contra a mão invisível que me impunha o sentimento de morte. Deitado, ainda sob delírios tomará a decisão correta. Não me curvaria ante a dor e a pobreza. Morrer ou voltar de onde vim tem o mesmo significado. Muitos dizem que é difícil se recompor. A dor insuportável e o sentimento de estranhamento desapareceu quando, enfim, dei conta que o chão da rua não é o lugar de ninguém. De algum modo revivi o insulto que no passado tinha feito ao pobre homem que dormia na calçada. Nenhum homem jogado no chão merece condenação maior do qual já vivi. As condições materiais não podem determinar o que não somos. Consegui levantar. Andei alguns metros, até uma banca de revista. Antes de entrar retirei o dinheiro da bolsa. Sabia que naquelas condições dificilmente o dono deixaria entrar por muito tempo.
- Por favor, o senhor me dá uma água mineral.
- Um real. Era você que estava naquela calçada passando mal?
Peguei a garrafa d’água. Abri. Tomei de um só gole. Do bolso puxei o dinheiro.
- Por favor! Guarde! - ordenou o senhor que me atendeu.
- Muito obrigado!
Pretendia falar algo mais que um obrigado. Hoje penso que fui salvo por àquele senhor que me fez lembrar de um outro homem no passado se encontrava jogado na calçada, do qual não tive a mesma dignidade de tratá-lo, ao mínimo de dignidade. Nunca acreditei em castigo, maldições, mas parecia um modo de retratação àquela injustiça e mais ainda a um sentimento de indignação que tive quando fui repreendido XXX. Mas tem coisas que acontecem como privilégio de situações e de pessoas inesperadas. Não poderia cair novamente. Não foi uma garrafa de água ou seu valor, mas algo maior chamou atenção.

2º Trecho:
 
Aos domingos partia para ficar o dia na rodoviária pensava nessa história. O que me deixava aborrecido era não ter escolhido o futuro, mas o modo como tudo ia acontecendo. Minha incapacidade de mudar. Limitado aos trocadinhos, aos cachorros-quentes e a minha fé, sempre invocada nos momentos que sentia fome, no qual começava a salivar como um cão, então, procurava um local discreto. Podia ser um banheiro ou mesmo na rua em locais que sabia que nenhum colega me veria naquelas condições. Quando acontecia era comum as pessoas pararem: “Meus Deus! Você está bem, você está bem?” Escorado num poste ou sentado em alguma calçada contorcia-me de dor e desespero. Em nenhum momento senti medo, nunca chorei, e quanto mais intensa mais vontade tinha de superar. Se pudesse usar minhas mãos, mesmo esquelético, lutaria. Nada disso era possível. A dor não é algo tangível, nem a fome – apenas sentimos na intensidade daquilo que vivemos. Sentia ódio e queria lutar. Desde muito cedo aprenderá que o homem é um animal político, portanto, não era tomado por uma racionalidade de fracasso, mas de possibilidade de vida. Mas devo abrir uma exceção. Naquela segunda-feira, um dia após da festa em família pensei que não aguentaria. Além de todos os inconvenientes, perceber a perda de alguns sentidos soou como se fosse mais capaz de sair daquela situação. Jogado na calçada, sujo, e totalmente desorientado, dava impressão do fim. Mas o fim não é tangível à consciência, talvez por isso tenha tanta raiva da segunda.
Um dia após ter presenciado o fracasso da vida alheia, sentar-se na calçada de algum lugar desconhecido como morador de rua trouxe lucidez sombria. O mundo não é o que me diziam, nem pior, nem melhor. Talvez seja um pouco mais trágica: é o que fazemos para nós mesmos é o quanto estou convencido das minhas escolhas. Odeio a segunda-feira, mas foi neste dia que dei conta que poderia fazer algo. Aos poucos minha cabeça voltava e do meu lado alguns livros, a bolsa suja de terra e vômito. Consequência de mais uma crise. Às dez, às treze, às dezessete, às vinte e duas, mas poderia ser em qualquer horário ficando mais intenso de acordo com a fragilidade do corpo. Nestas horas que me dobrava segurava o Tau. Precisava tomar um gole d’água, comer alguma coisa.
Dias estranhos. As vezes semanas sem falar com ninguém. Entrava e sai da sala sem a necessidade de falar. Os demais colegas não tinham interesse. Eu sabia falar. Isso é outra coisa. Eles eram de outra realidade social, que até hoje desconheço, mas naquele momento que nem casa eu tinha e vivia de uma salsicha e de um pão, ainda pior. Quem falaria com um sujeito estranho, o mundo, ainda - digo: ainda! - estranho. Alguns até tentaram, mas colocava-me contra qualquer gesto de piedade. Precisava sobreviver. Sobreviver significava viver um dia de cada vez, superar as dificuldades, que não eram apenas financeiras ou as humilhações do qual estava submetido. Aos poucos começara a descobrir que havia um pouco mais que as aparências. Mesmo que vivesse como um desgraçado seria melhor do que qualquer condição do local de onde viera. Se me julgava pouco livre para escolhas, resistir seria a maior liberdade. Ninguém nunca tinha dito o que de fato era o mundo, o mundo dos homens e mulheres. Tudo que ouvia era o quanto seria fraco para suportá-lo, das dificuldades, e quando enfim, me deparo vejo o quanto é simplório todas as afirmações. Superar os limites do corpo foi ter encontrado um caminho sobre àqueles que te veem de cima como se fossem mais forte, o mais privilegiado, o mais sábio. Aprendi o que é resistir superando os limites do próprio corpo. Quando me dei conta, num gesto automático tracei os caminhos que me tirariam da condição de indesejado.
Tinha decidido mudar sair da casa ...

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