Segue alguns fragmentos de uma reflexão que vinha desenvolvendo a partir do livros Discurso sobre a Servidão Voluntária, de Etienne de La Boétie. Não cheguei a concluir o texto devido a problemas, mas mesmo assim destaco alguns fragmentos desta reflexão por acreditar sua pertinência ao contexto que nos encontramos.
O texto está dividido com < > no qual desenvolvo alguns apontamentos sobre o tema. As aspas indicam palavras do autor e, por vezes, uma entonação diferenciada.
“Assim também, quando os habitantes de um país encontram uma
personagem notável que dê provas de ter sido previdente a
governá-los, arrojado a defendê-los e cuidadoso a guiá-los, passam
a obedecer-lhe em tudo e a conceder-lhe certas prerrogativas; é uma
prática reprovável, porque vão acabar por afastá-lo da prática
do bem e empurrá-lo para o mal. Mas em tais casos julga-se que
poderá vir sempre bem e nunca mal de quem um dia nos fez bem.” (Do texto: Discurso sobre a Servidão Voluntária de Etienne de La Boétie, pág. 3-4)
< O que Etienne propõe não é a luta ou disputas, mas que àquele
que oprime não se faça nada, que não lhe sirva, que não lhe
beneficie. Percebe-se que a ausência da liberdade é mais uma
condição no qual pessoas atribuem a outra responsabilidade que
seriam suas. >
“Mas o costume, que sobre nós exerce um poder considerável, tem
uma grande força de nos ensinar a servir e (tal como de Mitrídates
se diz que aos poucos foi se habituando a beber veneno) a engolir
tudo até que deixamos de sentir o amargor do veneno da servidão.” (Do texto: Discurso sobre a Servidão Voluntária de Etienne de La Boétie, pág. 12)
< Ao tratar de como a servidão e/ou como as estruturas de poder
vão se consolidando, Etienne de La Boiétie indica como os costumes
exercem uma força sobre nosso cotidiano. Relaciono isso com o que
vulgarmente chamamos de “cultural”, quando na verdade está muito
mais na força daquilo que as pessoas fazem sem questionar e/ou
porque vê a maioria ser/fazer, daí atribuir tal status a uma ordem
que não é ordem, mas elementos comportamentais que legitimam poder
e estruturas de dominação. Um bom exemplo que como empregamos
erroneamente o que chamamos de “cultural” em vez de
comportamental quando tratamos da corrupção e do jeitinho
brasileiro que nos levar a não sermos seguidores de contratos e
regras coletivas básicas.
Atribuímos nosso descaso a coisa pública a “cultura”. Quantas
vezes já ouvi alguns dizerem: “Mas não tem jeito porque é
cultural”. Afirmação lamentável, primeiro porque coloca qualquer
perspectiva de mudança na conjuntura do inevitável; segundo,
assumimos uma postura de passividade e como tal atribuímos a
terceiros a condução de nossas vidas – embora muito se neguem a
tal afirmação jogamos nosso poder de decisão na lata do lixo. Como
diria Etienne de La Boiétie somos “servos voluntários” e não
nos damos conta. Há várias formas de servidão, uma delas é o que
pode está sendo determinado pelos costumes, pelo simples fato de não
a questionarmos.>
< Por vezes a maneira como nos dispomos como servos dos poderes
locais e/ou das vontades e caprichos daqueles que nos controlam
institucionalmente tem como base não a vontade espontânea. A
educação que liberta, também, quando usada com este propósito,
pode nos conduzir a uma condição de passividade. A educação de
regimes ditatoriais (mas igualmente em democracias demagógicas) tem
esse papel e o faz por meio de uma doutrinação rígida que vai se
consolidando desde as séries iniciais. Aos poucos vamos sendo
educados a abdicarmos de nossas convicções em função de
interesses alheios, a projetos do qual jamais idealizamos, mas que o
consumimos ou, pelo menos, o desejamos como um grande ideal.
No entanto, quando me refiro a educação não limito à educação
formal, mas a àquele educação que aprendemos em casa – noções
das mais importantes e fundamentais – no entanto, não podemos
desconsiderar que muitos dos valores que nos colocam na posição de
servos são apreendidos pelos costumes e tradições, que muitas
vezes servem apenas para legitimar poder, aos mesmos moldes dos
nobres que traziam no sangue sua nobreza. Essa autoridade infalível
que não procura através do diálogo e do convencimento apresentar
valores da responsabilidade e do diálogo entre iguais, não é
apenas peça do poder presente em estruturas patriarcais e
autoritárias, mas o elemento-chave na formação de pessoas. O
grande Leviatã conforme apresentado em Hobbes, que não está dentro
daqueles que se julgam acima dos outros ...
Esse modelo foi a base da sociedade durante séculos no Brasil, no
entanto, o que temos hoje? Por que ele não foi capaz de assegurar-se
pelos caminhos da liberdade e do convencimento? Segundo Etienne de La
Boiétie: “ … a primeira razão da servidão voluntária é o
hábito...” (p.16). Hábitos em que a liberdade de um depende a
submissão de todos traz prejuízos enormes, porque por vezes nos
enganamos com uma falsa segurança, no qual temos a sopa do pratinho
e perdemos a dimensão de tudo que podemos conquistar na floresta,
como no exemplo de Licurgo, que Etienne de La Boiétie demonstra. A
diversão, o tapinha nas costas é mais atraente do que a
responsabilidade e o preço que se paga em defender “direitos”>
“Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras
exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os
povos antigos engôdos da servidão, preço da liberdade,
instrumentos da tirania.” (Do texto: Discurso sobre a Servidão Voluntária de Etienne de La Boétie, pág. 19)
Jorge:
OBS: A ideia do texto era servir de base para um romance (com base em alguns conceitos filosóficos) que pretendia escrever, mas que diante de alguns aborrecimentos perdi o interesse.
Para ter acesso ao livro segue o link
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