domingo, 14 de fevereiro de 2016

Alguns apontamentos sobre o "Discurso sobre a Servidão Voluntária" de Etienne de La Boétie



Segue alguns fragmentos de uma reflexão que vinha desenvolvendo a partir do livros Discurso sobre a Servidão Voluntária, de  Etienne de La Boétie. Não cheguei a concluir o texto devido a problemas, mas mesmo assim destaco alguns fragmentos desta reflexão por acreditar sua pertinência ao contexto que nos encontramos.
O texto está dividido com < > no qual desenvolvo alguns apontamentos sobre o tema. As aspas indicam palavras do autor e, por vezes, uma entonação diferenciada.

  
“Assim também, quando os habitantes de um país encontram uma personagem notável que dê provas de ter sido previdente a governá-los, arrojado a defendê-los e cuidadoso a guiá-los, passam a obedecer-lhe em tudo e a conceder-lhe certas prerrogativas; é uma prática reprovável, porque vão acabar por afastá-lo da prática do bem e empurrá-lo para o mal. Mas em tais casos julga-se que poderá vir sempre bem e nunca mal de quem um dia nos fez bem.” (Do texto: Discurso sobre a Servidão Voluntária de Etienne de La Boétie, pág. 3-4)

 

< O que Etienne propõe não é a luta ou disputas, mas que àquele que oprime não se faça nada, que não lhe sirva, que não lhe beneficie. Percebe-se que a ausência da liberdade é mais uma condição no qual pessoas atribuem a outra responsabilidade que seriam suas. >


“Mas o costume, que sobre nós exerce um poder considerável, tem uma grande força de nos ensinar a servir e (tal como de Mitrídates se diz que aos poucos foi se habituando a beber veneno) a engolir tudo até que deixamos de sentir o amargor do veneno da servidão.” (Do texto: Discurso sobre a Servidão Voluntária de Etienne de La Boétie, pág. 12)


< Ao tratar de como a servidão e/ou como as estruturas de poder vão se consolidando, Etienne de La Boiétie indica como os costumes exercem uma força sobre nosso cotidiano. Relaciono isso com o que vulgarmente chamamos de “cultural”, quando na verdade está muito mais na força daquilo que as pessoas fazem sem questionar e/ou porque vê a maioria ser/fazer, daí atribuir tal status a uma ordem que não é ordem, mas elementos comportamentais que legitimam poder e estruturas de dominação. Um bom exemplo que como empregamos erroneamente o que chamamos de “cultural” em vez de comportamental quando tratamos da corrupção e do jeitinho brasileiro que nos levar a não sermos seguidores de contratos e regras coletivas básicas.
Atribuímos nosso descaso a coisa pública a “cultura”. Quantas vezes já ouvi alguns dizerem: “Mas não tem jeito porque é cultural”. Afirmação lamentável, primeiro porque coloca qualquer perspectiva de mudança na conjuntura do inevitável; segundo, assumimos uma postura de passividade e como tal atribuímos a terceiros a condução de nossas vidas – embora muito se neguem a tal afirmação jogamos nosso poder de decisão na lata do lixo. Como diria Etienne de La Boiétie somos “servos voluntários” e não nos damos conta. Há várias formas de servidão, uma delas é o que pode está sendo determinado pelos costumes, pelo simples fato de não a questionarmos.>



< Por vezes a maneira como nos dispomos como servos dos poderes locais e/ou das vontades e caprichos daqueles que nos controlam institucionalmente tem como base não a vontade espontânea. A educação que liberta, também, quando usada com este propósito, pode nos conduzir a uma condição de passividade. A educação de regimes ditatoriais (mas igualmente em democracias demagógicas) tem esse papel e o faz por meio de uma doutrinação rígida que vai se consolidando desde as séries iniciais. Aos poucos vamos sendo educados a abdicarmos de nossas convicções em função de interesses alheios, a projetos do qual jamais idealizamos, mas que o consumimos ou, pelo menos, o desejamos como um grande ideal.
No entanto, quando me refiro a educação não limito à educação formal, mas a àquele educação que aprendemos em casa – noções das mais importantes e fundamentais – no entanto, não podemos desconsiderar que muitos dos valores que nos colocam na posição de servos são apreendidos pelos costumes e tradições, que muitas vezes servem apenas para legitimar poder, aos mesmos moldes dos nobres que traziam no sangue sua nobreza. Essa autoridade infalível que não procura através do diálogo e do convencimento apresentar valores da responsabilidade e do diálogo entre iguais, não é apenas peça do poder presente em estruturas patriarcais e autoritárias, mas o elemento-chave na formação de pessoas. O grande Leviatã conforme apresentado em Hobbes, que não está dentro daqueles que se julgam acima dos outros ...
Esse modelo foi a base da sociedade durante séculos no Brasil, no entanto, o que temos hoje? Por que ele não foi capaz de assegurar-se pelos caminhos da liberdade e do convencimento? Segundo Etienne de La Boiétie: “ … a primeira razão da servidão voluntária é o hábito...” (p.16). Hábitos em que a liberdade de um depende a submissão de todos traz prejuízos enormes, porque por vezes nos enganamos com uma falsa segurança, no qual temos a sopa do pratinho e perdemos a dimensão de tudo que podemos conquistar na floresta, como no exemplo de Licurgo, que Etienne de La Boiétie demonstra. A diversão, o tapinha nas costas é mais atraente do que a responsabilidade e o preço que se paga em defender “direitos”>


“Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engôdos da servidão, preço da liberdade, instrumentos da tirania.” (Do texto: Discurso sobre a Servidão Voluntária de Etienne de La Boétie, pág. 19)

 Jorge:



 OBS: A ideia do texto era servir de base para um romance (com base em alguns conceitos filosóficos) que pretendia escrever, mas que diante de alguns aborrecimentos perdi o interesse.


Para ter acesso ao livro segue o link



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