sábado, 10 de janeiro de 2015

Derrubando paredes, construindo muros

Pessoal andava meio cansado. Elias, por exemplo, disse que não voltaria à Picuiá sem antes dormir duas noites na Capital. Quem ficava sabendo da notícia não acreditava. Foram cinco andares abaixo. Felizmente e, graças aos equipamentos de segurança, não teve maiores sequelas. Apenas a desaceleração que serem causa uma dor terrível sobre o corpo. Mesmo assim foram longos dias no hospital. Segundo o próprio Elias sentia a cabeça pesar 200 quilos. Talvez por isso não tinha tanta pressa pra voltar pra casa.
Queria fazer uma visita aos Colegas. Simone – prima que veio para tentar passar em medicina dividia as despesas com Elias, sempre o acompanhava. Fez questão de voltar ao local do acidente com o primo, temendo talvez alguma reação dos 'capitães do mato' que faziam a guarda do local. O medo não era a toa. Desde que tinha acordado do grande susto tinha jurado pegar um dos capangas. Caído no chão sentiu o peso e a indiferença de um deles. Segundo testemunhas os chutes que tinha levado no estômago doía-lhe mais que o baque.
Desde a saída do hospital até alguns dias dentro de casa fez tudo lentamente, do mesmo modo que segurava por horas a fotografia de família. Os dois filhos pequenos e esposa num típico domingo, num momento raro que saiam de casa até o restaurante. Queria apenas dois dias e poderia jogar na mala porta retrato.
Como tinha decidido visitar os antigos colegas aproveitaria, igualmente, pra ver novamente o jagunço que lhe chutara as costelas. Escolheu horário que não tinha mais tanto engarrafamentos nem ônibus lotados, apensar de ter ficada no ponto por cinquenta e quentes minutos. Durante a espera reviveu alguns anos de trabalho entre apertos, greves, protestos e tantas broncas por não ter chegado no horário combinado. Milhares com pressa e na mesma quantidade e proporção lá estão os mesmos, sempre atrasados. Não é apenas no tempo, mas na compreensão da própria vida. Elias percebera isso da pior forma. O teto branco e ventilado girando lentamente, sem pressa cumprindo sua função.
O local da construção tinha sido implodido ao custo de duas prisões. Funcionários que misteriosamente assumiram terem acendido à primeira hora do dia de um sábado os dinamites. E quanta história virou pó em 15 longos segundos. Poderia ter sido uma bela manhã de sol de sábado. Com bares cheios de estudantes e trabalhadores festejando os encantos do verão, não fosse o grande vazio deixado. Mas já estava certo! Elias tinha posto seu currículo via e-mail e, quase num automático tinha sido selecionado – entre outras dezenas de homens – para uma obra numa cidade distante.
Eles não sabiam e, mesmo Ele, já vendo de longe os colegas levantando tijolos, percebia só agora o quanto o local era bonito. Todos àqueles espaços seriam tomados por pessoas com dinheiro e poder. Ao chegar percebeu algo diferente. Ao invés das cercas que protegiam o local, ergueram muros altos protegido com cercas elétricas. Em casa extremidade uma guarita com vigias fortemente armados. O acesso se fazia agora por uma portaria com uma recepcionista, bastante educada e bela. Recepção que contrastava com dois seguranças portando submetralhadoras.
Já esperado.
Bom dia, Senhora” disse Elias a recepcionista.

Antes de qualquer resposta e sem esperar um dos guardas aproxima-se do antigo funcionário pedindo que se retire o quanto antes daquele local. Elias sabia que pelas condições não teria a menor chance de nada. Saiu lentamente pela calçada. Alguns metros depois era possível avistar, do outro lado da rua, famílias alojadas em cima de calçadas morando em caixas de papelão. Como despedida da cidade sentou num bar tradicional da rua. O mesmo que costuma frequentar às sextas-feiras. Pediu uma cerveja. Depois disso seguiu pra casa arrumou a bolsa. Dois dias depois estava em casa. Será que agora colocaria sua vida no eixo? Parecia decido recomeçar a vida, no entanto, notou que algumas coisas tinham se modificado. Perceberia, mas tudo é uma questão de tempo.

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