quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A fronteira

 Engraçado! A impressão, lendo Boaventura, é que sempre estive na fronteira. A começar pelo local onde cresci. No interior de Pernambuco, cidade onde nada acontece. Longe do grande centro, perto, muito perto de poderes locais - que tendiam a querer imitar os poderes dos grandes centros mas, que na verdade sempre criaram as próprias formas de dominação. Neste sentido,  eu não estava "fora" e, sim, dentro de um mundo muito particular com espaço muito bem definidos. Onde cada um tinha sua cor e um nome que lhe dá uma titularidade de pertença. Papéis sociais muito bem definidos.
A primeira vez que sai de casa para uma cidade maior se constitui uma verdadeira aventura. Medo de perde-se. Engraçado que poderia ter sido esse o primeiro sentimento, mas não. A cada hora de ônibus descobria-se a possibilidade de outras possibilidades, fora dali. A sensação depressiva de mundo não era uma coisa minha, como muitos diziam. Estava certo ao pensar que as coisas não aconteciam porque estávamos fechados em fronteiras medievais. Lembro-me do que significou naquele momento sair daquelas fronteiras. Meu avô achou àquilo um grande absurdo e, cuidaram logo de me difamar, impor na cabeça do meu pai a ideia de que a escolha para fora das fronteiras seria um passo “à perdição (confesso que até hoje não sei se foi insinuação ou ameaça). Aqui a intenção era expulsar. Uma semana fora de casa ensinou, naquele momento, que não podia fazer as coisas que estava acostumado, do lado de dentro da fronteira. As relações se estabelecem a cada dia e a cada novo encontro. Dentro da fronteira poderia me dar ao luxo de acordar depressivo e não falar com ninguém porque continuaria sendo o mesmo Marcos, filho do Valter, ou seja, tinha duas identidades que se formavam em cima de mim que permitia fechar-me. Fora isso não serve de nada, nem pra contar minha própria história. Isso não foi uma coisa ruim. Primeiro, porque sempre tive dificuldade de dialogo, dentro da pequena cidade e, mais ainda, dentro da família diga-se de passagem tão bem definidas nos seus papéis e nas possibilidades. Segundo, as pessoas tendem a encontrar-se por afinidades. Foi um encontro por afinidades. Afinidades religiosas essa foi à primeira condição, depois os grupos foram organizando-se por concepções de organização política (lembro que naquela época falava-se, ainda, de socialismo, teologia da libertação, ideais radicais de igualdade e de vida religiosa). Como jovem religioso não gostava de me relacionar com outros jovens que andavam com rosário na mão e falavam de forma estereotipada de santo padre. Preferia, sempre!, os que gostavam de "transgredir" a sacralidade, de falar de política, dos que gostavam da bebedeira. Em uma semana, fora dos muros, voltava pra casa, certo de que precisava sair. Lembro que aquele evento mudou radicalmente minha vida..
Pensando nisso, acho que é fluidez da vida. Apesar de tudo não desanimo. Se vivemos na fronteira do exílio e a vida é a fluidez que se impõem ao trânsito caótico: acredito que as águas farão seu próprio percurso e, de que, como todo àquele que se situa fora mundo, possa se reinventar, afinal, onde não se há possibilidade é ai que se constrói o novo.

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