Sábado.
Último do ano. Acordei melancólico e, com esperanças que o dia me
provasse o contrário. De fato, estava certo. Não é o dia que tem
que me provar nada. O dia está lá para todos, de tal maneira que
entendi, rapidamente, não estar bem espiritualmente. Algo que venho
arrastando comigo por mais de um mês, desde o dia que tinha decidido
parar de escrever. Apesar das muitas leituras, nada de escrever. Não
vinha me sentido seguro, sem ter muito o que escrever, também. Ainda
deitado escutava meu filho com suas estripulias, jogando a bola, às
vezes pedindo pra assistir televisão, algumas vezes “papai,
papai”, sinal que tinha passado da hora de levantar. Aliás, este é
um dos sinais para quem não está bem: a falta de vontade de ficar
de pé, de sair da cama e encarar a vida. Levantei. Abri a janela. A
visão não é das melhores. Um amontoado de casas, construídas
desordenadamente, olhando pra baixo, o zelador e sindico fiscalizando
ou em procura de alguma eventualidade, que não seria cometida por
nenhum dos moradores, mas por àqueles que acabará de ver mais ao
alto. Sempre eles! Um típica concepção, da qual não concordo. Pra
me afastar resolvi fechar a janela.
O
café não poderia ser melhor. Queria naquele momento ter fome.
Beberiquei o café, duas vezes. Tinha tomado uma decisão: vou dar
uma volta no centro da cidade. Quando estou meio entediado gosto de
caminhar pelo centro, vendo pessoas indo e vindo - meio sem ordem.
Troquei
de roupa. Segui pra parada. Poucas pessoas, poucos carros, o que
indica que o fim de ano já domina o ritmo de vida. Vinte minutos
para que viesse, de uma vez, dois ônibus. O da frente estava cheio,
o que vinha atrás puxou para a faixa da esquerda dando sinais de
queimar a parada. De fato. Estava vazio e queimou a parada.
Rapidamente tirei da minha bolsa a caderneta para anotar o número do
veículo e reclamar. Não havia muito tempo. Tinha que subir rápido,
mesmo cheio tinha que ser no primeiro ônibus. O “muito cheio”
que tinha dito antes foi apenas impressão.
O
ônibus não estava tão cheio. Consegui um lugar pra ir sentado.
Acomodado percebo o quanto já saímos de casa estressados. Devido a
obras na avenida principal o trânsito estava lento. Não dei muita
importância, mas percebi que alguns pareciam inquietos, talvez
porquê não precise me locomover de ônibus todos os dias, o que é
algo ruim. Está entre àqueles que entopem a cidade de motos e
carros não é nenhum mérito.
Já
na cidade resolvi descer perto do shopping. Minha caminhada seria
entre lojas, consultando preço, vendo marcas. Já fiz isso, apenas
para observar as pessoas. Não estava interessado em observar
pessoas, queria passar o tempo, descobrir alguma coisa de
interessante, ter vontade de algo. Quem sabe comprar alguma roupa,
calçado ou mesmo um livro. E, assim, comecei minha caminhada. Entrei
em quase todas as lojas. Quase todas cheias. Jovens, adultos, idosos
e idosas, muitos casais de mãos dadas escolhendo roupas, calçados,
trocando presentes.
Andei,
cerca de uma hora, em várias lojas. Sentia-me cansado. A impressão
que tive é que estava num fim de feira procurando a melhor promoção
do melhor produto. Enfim, nada me agradava. Decidi andar pelas ruas –
agora mais movimentadas – observava o olhar de desanimo de muitos
vendedores ambulantes. Seus maiores pontos de venda estavam tomados
por fiscais da prefeitura, vestidos em coletes vermelhos e usando
óculos escuros. Alguns vendedores guardavam seus produtos em caixas,
encerrando o dia que mal tinha iniciado. Certamente, não tinham
conseguido vender nem o valor da passagem, isto é, caso tenham vindo
de ônibus. Não dá pra negar que essas pessoas tem uma vida
difícil, marcada por um trabalho na rua, que devem contar com um
monte de fatores para venderem um pouco mais. O dia estava
ensolarado, mas tinham fiscais. Às vezes está chuvoso e não tem
fiscais, mas quem vai sair de casa quando está chovendo? Ainda mais
nesta cidade que fica submersa com meia hora de chuva.
Na
medida que caminhava não eram apenas os vendedores ambulantes, mas
pessoas que dormiam na rua, em cima de papelões completamente
jogados. Não dá pra parar e olhá-los por muito tempo. Você pode
ser derrubado pelas pessoas que passam de um lado pra outro, ou
despertar a ira de algum desconfiado. Vi apenas pessoas jogadas,
sujas com poucas roupas e, alguns que faziam força para levantarem.
A imagem dos moradores de rua é um contraste com a correria do fim
de ano, com as compras e com os sonhos que se renovam.
Resolvi
terminar meu passeio na mesa do bar. Como estava próximo da hora do
almoço em alguns locais, servia-se apenas a refeição do meio dia.
A maioria funcionários de lojas ou pessoas que vieram fazer compras.
Procurei um local com mais cara de bar. Encontrei um bar tradicional
que ainda estava subindo suas portas. Cadeiras empilhadas, mesas
encostas. Fiquei alguns minutos parados. Resolvi dar outra volta pra
ver se encontrava outro local. Terminei parando no mesmo local, desta
vez tudo pronto.
Na
TV nada de jornalismo policial. Tocava rock dos anos 70, às vezes
exceções para os anos 80. Tirei minha caderneta da bolsa, fiz
alguma anotações. Nada importante. Notas para que pudesse escrever
este rascunho, algumas considerações sobre os trabalhos que preciso
escrever, mas que não estou conseguindo. Bebi duas cervejas. Peguei
a caderneta, novamente. Fiz a seguinte anotação: nº 862, – nota
do número do ônibus que tinha “queimado” a parada -, 2014 –
parar voltar a escrever o romance, parar de beber - , a bebida
parecia que tinha explodido dentro de mim, de fato não estava bem.
Necessidade de mudar de habitus,
isso
está anotado como prioridade.
Depois
das anotações,paguei a conta e vim pra casa. Dormir uma noite e um
dia inteiro. Acordei disposto a cumprir às metas, o sentimento que
não voltaria a escrever desapareceu. Não me importa onde vou pô a
vírgula ou o acento – apesar de me preocupar e ter o cuidado de
usá-los corretamente. Lembrei “do desejo singular” que trata
Georges Perros, do qual descrevo na íntegra:
“Aunque
la literatura produzca desechos, cuando menos intenta educar a su
hombre. El asunto está en escucharse. Todos, o casi todos los
oficios son oficios de desechos. La literatura es uno de los raros
ejercicios que exigen del hombre una voluntad singular, una conducta
de existencia que retrasa el progreso de una mediocridad que nos es
natural.”
(fonte:
http://lanarrativabreve.blogspot.com.br/2010/10/george-perros-dixit.html
)
Assim termino “minha conduta de
existência” lembrando uma outra frase desse mesmo autor:
“escrevemos porque ninguém nos ouve”. Penso que nesse mundo
líquido, talvez seja a forma mais eficaz de falar o que se pensa
(apesar de toda repressão que existe hoje), mas, principalmente, dar
sentido ao que muitas vezes parece não ter sentido.
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