segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

862 – Dando sentido às coisas …

Sábado. Último do ano. Acordei melancólico e, com esperanças que o dia me provasse o contrário. De fato, estava certo. Não é o dia que tem que me provar nada. O dia está lá para todos, de tal maneira que entendi, rapidamente, não estar bem espiritualmente. Algo que venho arrastando comigo por mais de um mês, desde o dia que tinha decidido parar de escrever. Apesar das muitas leituras, nada de escrever. Não vinha me sentido seguro, sem ter muito o que escrever, também. Ainda deitado escutava meu filho com suas estripulias, jogando a bola, às vezes pedindo pra assistir televisão, algumas vezes “papai, papai”, sinal que tinha passado da hora de levantar. Aliás, este é um dos sinais para quem não está bem: a falta de vontade de ficar de pé, de sair da cama e encarar a vida. Levantei. Abri a janela. A visão não é das melhores. Um amontoado de casas, construídas desordenadamente, olhando pra baixo, o zelador e sindico fiscalizando ou em procura de alguma eventualidade, que não seria cometida por nenhum dos moradores, mas por àqueles que acabará de ver mais ao alto. Sempre eles! Um típica concepção, da qual não concordo. Pra me afastar resolvi fechar a janela.
O café não poderia ser melhor. Queria naquele momento ter fome. Beberiquei o café, duas vezes. Tinha tomado uma decisão: vou dar uma volta no centro da cidade. Quando estou meio entediado gosto de caminhar pelo centro, vendo pessoas indo e vindo - meio sem ordem.
Troquei de roupa. Segui pra parada. Poucas pessoas, poucos carros, o que indica que o fim de ano já domina o ritmo de vida. Vinte minutos para que viesse, de uma vez, dois ônibus. O da frente estava cheio, o que vinha atrás puxou para a faixa da esquerda dando sinais de queimar a parada. De fato. Estava vazio e queimou a parada. Rapidamente tirei da minha bolsa a caderneta para anotar o número do veículo e reclamar. Não havia muito tempo. Tinha que subir rápido, mesmo cheio tinha que ser no primeiro ônibus. O “muito cheio” que tinha dito antes foi apenas impressão.
O ônibus não estava tão cheio. Consegui um lugar pra ir sentado. Acomodado percebo o quanto já saímos de casa estressados. Devido a obras na avenida principal o trânsito estava lento. Não dei muita importância, mas percebi que alguns pareciam inquietos, talvez porquê não precise me locomover de ônibus todos os dias, o que é algo ruim. Está entre àqueles que entopem a cidade de motos e carros não é nenhum mérito.
Já na cidade resolvi descer perto do shopping. Minha caminhada seria entre lojas, consultando preço, vendo marcas. Já fiz isso, apenas para observar as pessoas. Não estava interessado em observar pessoas, queria passar o tempo, descobrir alguma coisa de interessante, ter vontade de algo. Quem sabe comprar alguma roupa, calçado ou mesmo um livro. E, assim, comecei minha caminhada. Entrei em quase todas as lojas. Quase todas cheias. Jovens, adultos, idosos e idosas, muitos casais de mãos dadas escolhendo roupas, calçados, trocando presentes.
Andei, cerca de uma hora, em várias lojas. Sentia-me cansado. A impressão que tive é que estava num fim de feira procurando a melhor promoção do melhor produto. Enfim, nada me agradava. Decidi andar pelas ruas – agora mais movimentadas – observava o olhar de desanimo de muitos vendedores ambulantes. Seus maiores pontos de venda estavam tomados por fiscais da prefeitura, vestidos em coletes vermelhos e usando óculos escuros. Alguns vendedores guardavam seus produtos em caixas, encerrando o dia que mal tinha iniciado. Certamente, não tinham conseguido vender nem o valor da passagem, isto é, caso tenham vindo de ônibus. Não dá pra negar que essas pessoas tem uma vida difícil, marcada por um trabalho na rua, que devem contar com um monte de fatores para venderem um pouco mais. O dia estava ensolarado, mas tinham fiscais. Às vezes está chuvoso e não tem fiscais, mas quem vai sair de casa quando está chovendo? Ainda mais nesta cidade que fica submersa com meia hora de chuva.

Na medida que caminhava não eram apenas os vendedores ambulantes, mas pessoas que dormiam na rua, em cima de papelões completamente jogados. Não dá pra parar e olhá-los por muito tempo. Você pode ser derrubado pelas pessoas que passam de um lado pra outro, ou despertar a ira de algum desconfiado. Vi apenas pessoas jogadas, sujas com poucas roupas e, alguns que faziam força para levantarem. A imagem dos moradores de rua é um contraste com a correria do fim de ano, com as compras e com os sonhos que se renovam.
Resolvi terminar meu passeio na mesa do bar. Como estava próximo da hora do almoço em alguns locais, servia-se apenas a refeição do meio dia. A maioria funcionários de lojas ou pessoas que vieram fazer compras. Procurei um local com mais cara de bar. Encontrei um bar tradicional que ainda estava subindo suas portas. Cadeiras empilhadas, mesas encostas. Fiquei alguns minutos parados. Resolvi dar outra volta pra ver se encontrava outro local. Terminei parando no mesmo local, desta vez tudo pronto.
Na TV nada de jornalismo policial. Tocava rock dos anos 70, às vezes exceções para os anos 80. Tirei minha caderneta da bolsa, fiz alguma anotações. Nada importante. Notas para que pudesse escrever este rascunho, algumas considerações sobre os trabalhos que preciso escrever, mas que não estou conseguindo. Bebi duas cervejas. Peguei a caderneta, novamente. Fiz a seguinte anotação: nº 862, – nota do número do ônibus que tinha “queimado” a parada -, 2014 – parar voltar a escrever o romance, parar de beber - , a bebida parecia que tinha explodido dentro de mim, de fato não estava bem. Necessidade de mudar de habitus, isso está anotado como prioridade.
Depois das anotações,paguei a conta e vim pra casa. Dormir uma noite e um dia inteiro. Acordei disposto a cumprir às metas, o sentimento que não voltaria a escrever desapareceu. Não me importa onde vou pô a vírgula ou o acento – apesar de me preocupar e ter o cuidado de usá-los corretamente. Lembrei “do desejo singular” que trata Georges Perros, do qual descrevo na íntegra:
Aunque la literatura produzca desechos, cuando menos intenta educar a su hombre. El asunto está en escucharse. Todos, o casi todos los oficios son oficios de desechos. La literatura es uno de los raros ejercicios que exigen del hombre una voluntad singular, una conducta de existencia que retrasa el progreso de una mediocridad que nos es natural.” (fonte: http://lanarrativabreve.blogspot.com.br/2010/10/george-perros-dixit.html )
Assim termino “minha conduta de existência” lembrando uma outra frase desse mesmo autor: “escrevemos porque ninguém nos ouve”. Penso que nesse mundo líquido, talvez seja a forma mais eficaz de falar o que se pensa (apesar de toda repressão que existe hoje), mas, principalmente, dar sentido ao que muitas vezes parece não ter sentido.


Nenhum comentário: